sexta-feira, 10 de maio de 2013

Pelo fim do pênalti e o início de uma nova era no futebol (sem pênalti, não sei se ficou claro)

Braddock Lewis não tem credo, religião, raça, cor, espécie, filiação partidária ou time de futebol.

Assim como muitos brasileiros e bolivianos clandestinos, moro no Brasil, uma nação que se orgulha de ter inventado a feijoada, de ter se apropriado indevidamente da patente do chinelo de dedo e de ter o tal "pé na bola" grudado ao cotidiano como uma infecção subcutânea crônica.

Logo que aqui cheguei vindo das longínquas enseadas normandas, remando um caiaque furado, fui apresentado a tal esporte, e devo dizer que ele me empolgou tanto quanto observar musgo crescer nas pedras da praia. Jamais vi a graça em assistir por horas a um bando de incompetentes tentando acertar um chute a um alvo do tamanho de uma porta de celeiro - e falhando miseravelmente mesmo estando a dois centímetros de distância.

Aliás, sempre achei uma total imbecilidade como as pessoas idolatram jogadores de futebol por conseguirem executar minimamente bem os fundamentos do esporte que eles praticaram a vida inteira. Oras, é justamente isso que se espera de um profissional: que ele execute bem a tarefa à qual se propõe. Seria algo semelhante a louvar um carpinteiro por conseguir martelar um prego com eficácia.

Como um forasteiro, ao mesmo tempo em que eu conhecia o esporte mais popular desta terra, também me familiarizava com as práticas e costumes do povo. E não pude deixar de notar como há muito do futebol no cotidiano e muito do cotidiano no futebol. A forma como o jogo é jogado, as práticas e costumes dentro das quatro linhas, se refletem e se espelham nas práticas e costumes da população que o abraça como uma religião.

- Onde você quer chegar, Braddock? - pergunta um leitor impaciente. Acalme-se, porra, vou explicar. Tenho o espaço que quiser, isso é um blog, não um maldito jornal de notícias imobiliárias distribuído gratuitamente na porta do metrô.

Falo, é claro, da malandragem, da dissimulação, da falsidade, da calhordice, da pusilanimidade que permeiam a modalidade. Para ilustrar, vou tomar como ponto de análise a mania mais insuportável do jogo: a simulação de faltas. O futebol por aqui é praticamente um misto de arte cênica com apresentação circense, com uma porcentagem ínfima de atleticismo e uma dose quase nula de espírito competitivo.

Para começar, não há nada mais constrangedor do que ver marmanjos se contorcendo, rolando e fingindo uma dor lancinante, berrando feito crianças, por causa de um raspão no pelo da canela esquerda. Para servir de comparativo, certa vez testemunhei uma garotinha de sete anos ter uma perna decepada em um ataque de uma gangue de javalis a uma pequena vila aos pés das montanhas do Caralhistão. Isso sim seria motivo para choro, mas acha que ela ficou reclamando com o árbitro? Não! Ela levantou sem sequer retorcer o rosto de dor e retomou seus afazeres normalmente.

Essa prática abre feridas muito mais profundas do que aparenta. Ela fere a essência do esporte. A competição esportiva se sustenta sobre atributos como força, destreza, agilidade, astúcia, inteligência, perspicácia, sagacidade, competitividade, solubilidade e criatividade. O cai-cai substitui todos esses atributos admiráveis do engenho humano pela mais pura, cretina e traiçoeira malandragem. Em vez de tentar resolver a disputa por meio de qualidades atléticas, esses covardes de chuteiras tentam empurrar para o árbitro a todo momento a responsabilidade. Com isso, substitui-se o duelo franco por um confronto evasivo, cheio de subterfúgios, dissimulado, pusilânime, esvaziando ou deturpando completamente o sentido da competição.

Dizem que o esporte é uma metáfora da guerra. Ora, nunca vi um combate em que soldados fingem ser baleados e esperam um árbitro aparecer para dar a eles o direito de um tiro livre na cabeça do inimigo. E olhem que já estive em 14 dezenas de conflitos militares só no primeiro trimestre desse ano.

Acredito, porém, que o esporte possa ser um instrumento de educação. Não a toa alguns países mais avançados do mundo têm como preferência nacional modalidades muito mais complexas e desafiadoras, como salto ornamental de penhascos, esgrima com serra elétrica, pólo aquático em tanque de tubarões ou curling. Todos esportes que constroem o caráter e forjam um espírito guerreiro.

Como eu disse, a prática esportiva, mais que mero entretenimento, acaba por emitir padrões de comportamento e conduta para fora da arena. Ela dá exemplos de como se jogar o próprio jogo da vida. Por isso, é preciso pensar na mensagem que o futebol está passando. Cavar falta a torto e a direito é uma demonstração de fraqueza, é se encolher diante da missão dada, é se acovardar diante do desafio em vez de encará-lo de frente, de peito aberto.

- Ah, Braddock, mas você não está exagerando?

Não.

- Ah, mas há muitos jogadores que são cai-cai mas também fazem coisas incríveis com a bola.

Contra esse argumento tão sólido quanto um biscoito de polvilho, tenho apenas uma coisa a dizer: vá para o inferno.

- Mas Braddock, por que... - BANG! BANG! BANG!

- GAH!

Chega de interrupções.

O que incomoda mais é ver que ninguém condena veementemente essa atitude. Claro, alguns fazem uma crítica de leve aqui e ali, mas fica por isso mesmo. Logo abandonam a questão, mudam de assunto. Ninguém, nem aqueles que ganham a vida bradando comentários imbecis sobre o futebol, nunca se mostrou de fato indignado e nem cobrou enfaticamente uma mudança de postura.

Alguns enxergam a simulação como algo inerente ao esporte, dizem que faz parte, até acham legal essa "malandragem". Não me admira essa mentalidade. Os que endossam essas atitudes são os mesmos que amanhã estarão sanitizando banheiros de rodoviárias com a própria escova de dentes para sobreviver - ou apresentando algum programa esportivo na TV, muito mais ridículo.

Muitos esportes sofrem modificações nas regras de tempos em tempos. O futebol deveria se espelhar em outras modalidades que evoluíram ao longo dos anos. Vejam o basquete, que passou a premiar com uma chance de obter mais pontos aquele que, mesmo sofrendo uma falta, luta até o fim para concluir a jogada e fazer a cesta. Vejam o badminton, em que os competidores abdicaram do uso de máscaras protetoras e aceitam de bom grado o risco de serem cegados por um golpe de peteca. Veja a natação, que agora coloca piranhas na piscina para obrigar os nadadores a buscarem mais do que uma medalha, mas a própria sobrevivência (é mais interessante ainda quando os nadadores só descobrirem a presença dos peixes assassinos na hora em que saltam do bloco). Vejam o golfe... Não, golfe não. Golfe é uma merda.

Para isso estou aqui! Movido pela indignação, elaborei uma tese em que traço um paralelo entre a forma como o futebol é praticado com o caráter nacional. Essa análise gerou um livro brilhante, chamado “Futebol: o Ópio do Povo – Como um jogo idiota moldou o espírito de uma nação sem dignidade... E outras histórias (que não estão neste livro)”.

Esta obra, obviamente, jamais viu a luz do dia. As editoras que procurei se negaram a publicá-la. Todas temiam ser invadidas por uma multidão ensandecida armada com tochas e ancinhos.

Mas enfim, neste trabalho proponho transformações profundas para o futebol reencontrar a dignidade e voltar a ser um modelo de moral, fibra, perseverança e probidade administrativa. Primeiramente é preciso eliminar os fracos e preservar aqueles que reúnem características adequadas para fortalecer o caráter do jogo.

Por onde começar? Ora, pelo símbolo máximo da estupidez no futebol. Vínhamos falando da simulação de faltas. Pois bem, a falta capital do futebol é o pênalti. E é por aí que começo o ataque. No capítulo "A Marca dos Fracos", exponho como o pênalti se tornou um câncer que corrompe o espírito do jogo, sendo usado como uma brecha para atingir o objetivo – o gol – pelo mínimo esforço.

O pênalti é o anticlímax. É o catalisador da patifaria. Ele canaliza todas as energias para um ato deliberado de calhordice, prometendo sucesso fácil a custa de pouco esforço. Assim que finalmente consegue pisar na grande área, o atacante não procura suplantar as investidas dos adversários a todo custo por meio de suas habilidades e estufar as redes inimigas. Não: ele abandona a postura combativa e simplesmente espera o melhor momento para se atirar ao chão como um saco de adubo arremessado para fora de um trator em movimento, na esperança sórdida de ludibriar o árbitro e ter seu trabalho facilitado.

Prático, sim, mas eu pergunto: onde está a honra de sentir o gosto do sangue na boca ou o calor de uma hemorragia interna ao alcançar um objetivo a duras penas?

Eu digo onde ela está! A honra está longe daqui, assistindo a um franco duelo entre homem e animal em um emocionante campeonato de arremesso de atum na Nova Zelândia!

É essa a mensagem que o futebol passa: não é preciso se esforçar até o fim para obter êxito em uma empreitada, apenas atire-se ao chão e tudo será mais fácil.

A cavocada de pênalti é uma metáfora do famoso jeitinho nacionalesco. É a gasolina adulterada, o cheque voador, o pastel de vento, a obra sem alvará, o gato na fiação elétrica, a camuflagem dos índices de desemprego pela criação de postos de trabalho mal remunerados (e que não me apareça aqui nenhum agente federal disfarçado, pois serão todos expulsos a pontapés no fígado).

Esse mal deve ser extirpado do jogo. E como? Minha proposta é simples: a grande área deve se tornar uma zona neutra, em que seja válido qualquer contato físico, por mais brutal que seja.

Dentro da área, deve valer tudo para parar o adversário, até voadora na laringe. E o atacante precisará se manter de pé a qualquer custo, pois ninguém ligará para seus gritos de dor quando lhe derem com um pé de cabra no tendão de Aquiles. A mensagem é clara: se quer a vitória, lute até o fim. Serve para o futebol. Serve para a vida. Serve para o último chefão de "Resident Evil 14 - o Zumbi Malvado", para minigame.

E, claro, será preciso regular as expressões futebolísticas para a nova realidade. A famosa frase "caiu na área é pênalti" deverá ser substituída por algo mais singelo, como: "caiu na área leva bica no rim até mijar sangue".

Neste exato momento estou encaminhando à Fifa (por fax) uma cópia de meu livro, acompanhado de um telegrama em que sugiro (imponho sob graves ameaças) a revisão das regras em vigor.

Outro dia voltarei para defender a criação de uma lei que obrigue os motoboys a andarem de moto sem capacete.

Até lá.

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13 comentários:

Charles Miller disse...

Quem o senhor pensa que é para querer subverter as regras do esporte bretão? O senhor que se recolha à sua significância, que é equivalente à da sua tese!

BraddockLewis disse...

O senhor, Charles Miller, devia estar se revirando no túmulo ao ver como tornaram o esporte criado pelo senhor em uma modalidade para pusilânimes e covardes.

E o senhor, claro, é o culpado por ter criado o pênalti! Se essa regra não existisse, não existiriam esses frangotes que adoram se jogar no chão como porcos chafurdando na lama.

O senhor trate de ficar debaixo da terra, onde o senhor merece estar - comendo capim pela raiz.

E não me faça ir até aí lhe dar uma lição!

Aquele abraço,

Braddock Lewis

Caio Ribeiro disse...

Eu concordo com você no sentido de que o pênalti atravanca a partida. Por outro lado, não acho que os árbitros devam deixar impunes faltas violentas dentro da grande área. Precisamo de alternativas. Proponho um tipo de tiro-livre sem barreiras, nesse caso, batido com a bola no centro da área. Podemos até fazer uma marca circular para determinar de onde essa cobrança deve ser feita. Acredito que essa é uma solução viável para o problema

Arnaldo Antunes disse...

É isso aí!

Juca Fioruk disse...

Essa é a coisa mais absurda que já ouvi. Onde já se viu. O futebol é maravilhoso do jeito que é. Está bem, tem vários problemas, mas ora, quem não tem problemas? Eu mesmo tenho milhares de problemas. Mas não é só porque alguma coisa tem problemas que precisamos sair por aí corrigindo eles. Enfim, o futebol é um esporte fantástico. Poderia melhorar? Podia. Mas tá bom do jeito que é.

Neymar disse...

Maldito seja, Braddock Lewis!!!

Juca Kfode disse...

Braddock Lewis, o senhor tem razão. O pênalti é um mal, corrompe o caráter dos jogadores e, por fim, acaba dando um péssimo exemplo a toda a sociedade. Não existisse essa regra, teríamos atletas muito mais viris, sagazes e inteligentes. Vejam, hoje é tudo jogado na mão do árbitro, as jogadas são construídas com o intuito de ludibriar, o esporte está repleto de atletas que atravancam o jogo, que enganam, que denigrem o espírito esportivo. Está tudo errado! Tudo errado! O futebol é mesmo maravilhoso, não acha?

Joseph Blatter disse...

Brilhante, rapaz!

Era dessa coragem que o futebol precisava para finalmente se tornar um esporte descente.

Estou agora mesmo tomando as providências necessárias para alterar as regras e extirpar essa prática terrível para sempre!

Aguardem mudanças profundas no futebol dentro em breve.

Sílvio Luís disse...

Pelas barbas do profeta!
Cof cof cof blé!

Galvão Bueno disse...

O que você tem a dizer sobre isso, Casa Grande?

Casa Grande (Senzala) disse...

Olha Galvão, ééééé.... hummm... bom... mmmmm.... hãããã... Não sei.

Arnaldo Jabor disse...

Pode crer!

Patriota da Silva disse...

Ai, estou passando mal! São muitos impropérios contra nossa amada Pátria Mãe Gentil. Meus sais, meus sais!