quinta-feira, 2 de maio de 2013

O dia em que me propus a ler "Crepúsculo"

Jamais, repito, jamais compre pastilhas de freio usadas de um guaxinim que use suspensório. Sim, como devem ter adivinhado, o breque de meu carro quebrou e precisei abrir um buraco no assoalho para frear à moda Fred Flintstone. Não se pode mais confiar em ninguém este mundo! Ninguém!

Bem, depois de esfoliar os pés no asfalto dessa cidade asquerosa, finalmente cheguei em casa. E se querem saber por que me demorei em aparecer, explico. Estive ausente durante esses dias pois estava envolvido com um serviço urgente. Nada demais, apenas resolver um caso de sonegação fiscal na Mineradora Sete Anões. Aqueles pivetes deram trabalho, mas tiveram o que mereceram e vão deixar as barbas de molho atrás das grades por um bom tempo. Isso resolvido, posso, enfim, dedicar a devida atenção a este blog.

E hoje trago um assunto muito pertinente e atual, como sempre aliás. Venho aqui para falar dessa mania que invadiu a literatura, a TV, o cinema, a Cracolândia, a padaria e até mesmo o bingo dominical das casas de repouso. Sim, falo do crescimento demográfico de mortos-vivos habitando o imaginário coletivo. Me refiro obviamente a esses zumbis e vampiros bons, maus, românticos, tímidos, extrovertidos, carnívoros, vegetarianos, veganos, budistas, não importa. Há todos os tipos, personalidades, profissões, cores e credos.

É preciso observar que, com isso, vêm à ordem do dia a reflexão sobre temas caros a vocês, humanos, como mortalidade, existencialismo, filosofia greco-australiana, avanços científicos na área da saúde e a migração de gansos selvagens no inverno.

A que se deve esse crescente interesse nesses assuntos (sobretudo no que se refere aos gansos)? Seria um sinal da angústia dos tempos modernos, em que a velocidade dos acontecimentos se contrapõe à brevidade da vida, gerando assim uma compreensão da trágica condição humana perante a inexorável roda do tempo? Seria uma válvula de escape à tomada de consciência do delicado equilíbrio traçado pelos avanços tecnológicos, que ao mesmo tempo nos protegem e nos ameaçam, expondo nossa fragilidade diante da força do mundo? Seria uma resposta inconsciente à noção do paradoxo existencial pós-moderno, em que tudo que é sólido desmancha no ar? Seria uma tomada de postura niilista ante às estruturas psico-político-sócio-economicistas vigentes? Ou mero entretenimento alimentado pela mais absoluta falta do que fazer mesmo?

Para investigar esse fenômeno cultural mais a fundo, eu, Braddock Lewis, fui atrás da origem! Tudo começou há alguns anos, com um livro que causou histeria coletiva entre os adolescentes e até mesmo alguns adultos. Não, não é o "Manual ilustrado do Kama Sutra, by Justin Bieber". Refiro-me ao tal de “Crepúsculo”. Obviamente, isso não passaria incólume pelo olhar atento de Braddock Lewis, o fiapo de manga entre os molares da sociedade. Por isso, decidi fazer uma profunda análise dessa obra patética.


(Legenda ao estilo Folha de S. Paulo: mão segurando uma maçã em um fundo preto e com um título em cima)

“Mas o senhor, por acaso, leu o livro?”, quer saber um indignado leitor com o cérebro intoxicado de tanto usar tintura nos cabelos para deixá-los negros como os de um vampiro. Ora, mas é claro que não! Tenho mais o que fazer. Desde quando preciso ler um livro para tomar conhecimento de seu conteúdo? Acaso os sunitas perguntaram se eu havia tomado café da manhã antes de atearem fogo à minha choupana? Não! Pois digo, de uma vez por todas: não li e não gostei!

A verdade é que até peguei o livro para ver do que se tratava. No entanto, assim que o abri e comecei a correr os olhos pela primeira linha, as palavras começaram a se mover, desesperadas, tentando escapar da minha visão incandescente.

A página acabou pegando fogo, e as palavras tiveram de pular para fora do livro para escaparem com vida. Elas foram buscar abrigo em um exemplar da obra “Prolegômenos a Toda Metafísica Futura”, que estava esquecida em minha estante. O que houve ali foi uma cena brutal: as palavras começaram e se digladiar umas com as outras.

Foi uma confusão. “Edward” tentava apunhalar o “imperativo categórico”, enquanto “vontade legisladora” buscava aplicar uma chave de braço em “Bella”. Por fim, "moral empírica" e suas aliadas encurralaram as palavras de “Crepúsculo” no limite da folha e empurraram todas para a contracapa. Foi então que "Immanuel Kant" apareceu, pegou o “1” de "ano da publicação: 1934", fez um arpão, e terminou por destrinchar os verbetes invasores.

Assim, as palavras de “Prolegômenos” saíram vitoriosas, pegaram as letras adversárias como espólio de batalha e criaram um novo apêndice. E eu fui fazer um sanduíche. Peguei duas fatias de mortadela, uma folha de alface americana... ops, tergiversei.




(Eis aí o que sobrou de minha estante. Crédito: Ismirino, a fagulha andante)







Pois bem, movido por um certo senso de justiça e um respingo de sadismo, me propus a, pelo menos, assistir a uma das películas de "Crepúsculo". Eu estava a caminho da locadora quando, no caminho, notei uma formiga caminhando pela calçada. Por uma questão de prioridades, pus-me a segui-la, e acabei esquecendo do que ia fazer. Então acabei desistindo de alugar o filme. E essa é a análise mais honesta que você lerá sobre "Crepúsculo".

Agora com licença que preciso trocar a sola de meu sapato e assistir ao último capítulo da temporada de The Walking Dead.

4 comentários:

Renatinha Pattison disse...

Reli todos os livros, vi os quatro filmes durante dois dias seguidos cada um, mas até agora não vi nenhuma cirurgia de apêndice!!!

Lê direito às coisas antes de criticar, bestão!

"Kant" disse...

Olá, Braddock, muito legal seu blog. Por falar nisso, quero que saiba que as letras que sobraram dessa batalha épica eu estou usando para escrever essa mensajem. (Desculpe, é que não tinha mais nenhum "g" para escrever "mensagem").

Atualizado da Silva disse...

Braddock, Crepúsculo já é assunto batido. Por que não tratar de temas mais atuais, como a queda da Bastilha ou o Golpe de 1964?

Zulmira disse...

Onde eu encontro esse livro de receitas com a maçã na capa? Ah, mas é tão difícil cozinhar maçã. Me fala onde que compro dois pra garantir.