segunda-feira, 8 de julho de 2013

Sua boa ação do dia: ajude alguém a chorar

Ontem o dia estava deveras belo, absolutamente nublado e frio como em uma geladeira industrial. Movido por essa sensação, decidi fazer um dos programas que mais me apetecem: tomar uma cerveja com petiscos. A bebida, como sempre, estava estocada em casa. Portanto, saí para comprar os comes: deliciosos picles de cabeça de bagre que a padaria Zoroastra costuma vender às terças pela tarde.

De balde cheio, vinha descendo a rua quando passei por um orelhão e vi uma moça que esperava alguém atender sua ligação. Antes mesmo de ouvir um “alô” do outro lado da linha, a infeliz já apresentava sinais de desidratação de tanto chorar. Se aquela blusa fosse torcida, seria capaz de apagar um incêndio de pequenas proporções.



(Uma deliciosa cabeça de bagre pronta para o consumo. Crédito: Aquaman)





Imediatamente parei, fulminei a referida com um olhar de reprovação e perguntei o motivo daquela perturbação da ordem pública. Ela disse, então, tratar-se de um namorado que não mais respondia suas ligações.

“Garota, eu não derramei uma lágrima sequer quando observei um incêndio consumir minha casa e abreviar a vida de minhas oito chinchilas. Trate de se controlar.” Inútil dizer que isso só a fez abrir ainda mais o berreiro. Então eu disse: “Vou lhe dar um motivo para chorar de verdade”. Arranquei-lhe o telefone da mão, bati violentamente no gancho e terminei por vê-la, em estado de absoluto estarrecimento, rolando rua abaixo abraçada a uma das minhas cabeças de bagre como se fosse a chave para a salvação da sua vida.

“Oras, mas que crueldade gratuita, que sadismo desmedido, Braddock”, devem pensar os leitores menos esclarecidos. Nada disso! Trata-se de uma atitude absolutamente sensata e justificada. Afinal, sou um homem que se mantém fiel às suas promessas.

Explico: nos idos de 1973, quando morava no interior, como celebridade (por aqueles lados, bastava saber ler o próprio nome e dividir por 2 para ser uma celebridade), fui convidado para julgar um concurso de beleza de porcos-da-Índia. Ah, vocês não sabem como os nervos afloram quando o assunto é a beleza dos porcos-da-Índia.



(Aí está Rupert, o porquinho-da-Índia, sendo treinado para a prova de talentos do concurso. Crédito: um labrador sarnento)






Não passarei por cada um dos excruciantes detalhes dos 23 dias de competição e pularei direto para o final da história, a hora do anúncio dos resultados. As donas das pobres criaturas, horas antes de começar a cerimônia, já se punham a chorar de maneira carpideira. Oras, os senhores conseguem imaginar algo mais desnecessário e irritante? Não, nem mesmo gastar R$ 500 em um corte de cabelo é tão ridículo! Por isso mesmo não poderia ter deixado aquilo passar em branco. Desde aquele maldito dia, fiz o juramento de que nunca mais deixaria alguém chorando sem um devido e merecido motivo.

Pois bem, essa é a história. Agora sumam daqui, mas não sem antes dar uma topada com o dedão em um móvel pontiagudo. E não ousem derramar uma lágrima!

> Minha autobiografia não autorizada

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Antologia do ônibus nº I

Deslizo por essa cidade fedorenta a bordo de um ônibus apinhado de almas. Amaldiçoo o motorista e desejo câncer a seus parentes mais próximos a cada vez que o miserável breca repentinamente em um ponto para colocar mais passageiros para dentro.

Sei que o sufoco terá fim em breve, pois estou bem familiarizado com o itinerário. Ao longo do caminho, aquela caixa imunda e contaminada despeja passageiros, e eis que, finalmente, vejo um banco livre. Por sorte não é daqueles lugares segregados.

Ignoro gestantes, idosos e até um senhor de muleta - eles que procurem suas malditas cotas. Ocupo o espaço sem o menor peso na consciência, e lanço ao alto um ar triunfal.

Olho pra cima e vejo uma mocinha tentando se manter em pé enquanto equilibra a duras penas uma pilha de livros e cadernos.

Vislumbro uma oportunidade de me distrair um pouco e tornar a viagem mais aprazível. Ao notar o sofrimento da coitada pergunto: "Está pesado?".

A pobre ingênua, esperando que eu me oferecesse para aliviar a terrível carga que ela suportava em seus finos braços, abre um débil sorriso, e, encarando a pergunta como uma corda que lhe havia sido lançada para puxá-la para fora do abismo, ela responde: "Já não sinto meus braços, senhor".

Retruco, então: "Para isso existem mochilas". E findo o assunto. Sinto a luz da esperança se apagar nos olhos da infeliz, e logo sua face se retorce em dor e desespero ao perceber que a corda da salvação era, na verdade, uma serpente peçonhenta dos confins da Amazônia Ocidental. Sem mais a fazer, lanço-me à complexa leitura de um gibi de "Conan, o Bárbaro", e prossigo minha jornada rumo ao centro da cidade, onde um contato me espera para passar mais informações sobre o caso que eu tinha em mãos. O caso Freitag. Quem poderia imaginar que...

CRIIIIIIINCH!

Filha da puta! O motorista brecou violentamente de novo! Vamos ver se ele consegue dirigir com uma fratura exposta no braço. Já volto.